A (des) esperança
O relógio já soou quatro vezes alertando o quanto está tarde, mas o sono ainda cisma em não chegar. Logo o dia vai raiar e meus pensamentos parecem pular em minha mente febril e inquieta. Mais um dia, mais um recomeço, mas as coisas continuam exatamente iguais. As mesmas pessoas egoístas, as mesmas maldades, os mesmos discursos, a mesma hipocrisia e o mesmo perigo iminente. Cidades fantasmas, pessoas isoladas, vidas perdidas, sonhos não realizados, tudo isso reduzido a números frios e divulgados com indiferença por quem deveria lutar por nossos direitos. São apenas números, estatísticas, dizem os senhores de colarinho branco. É fácil opinar olhando de cima, ocupando seu lugar de privilégio de homem, branco e hetero. É muito cômodo falar em números e não em vidas quando se está isolado em suas fortalezas cheias de riquezas e seguranças. Experimenta ser pobre e precisar pegar ônibus lotado as quatro horas da manhã estando exposto a tantos perigos visíveis e tentando se proteger de um mal contagioso e invisível aos olhos. Tenta ser preto e favelado ou talvez mulher nessa cidade patriarcal. Não tente minimizar a dor dos outros, porque você não tem noção do preço que se paga por sermos quem somos. “A vida tem que continuar”, dizem eles. Mas a que preço? Como continuar lutando quando somente o que vemos são destroços e dias cinzentos. Não me peçam para ter “esperança”, porque ela dói e dói muito, porque é uma utopia pensar que as coisas vão voltar a ser como eram. Não, isso não vai acontecer, a luz no fim do túnel quase já não mais conseguimos ver. As pessoas perderam a empatia, a generosidade. Elas, simplesmente, perderam a “humanidade”, são robôs automáticos, frios e calculistas. Não tem como voltar atrás, as feridas abertas não vão cicatrizar, as vidas perdidas não se recuperam. Estar isolado nunca foi novidade para mim. A solidão e o silêncio sempre me causaram fascínio. Ando assistindo mais séries que antigamente, ouvindo músicas que não conhecia. Aventurando-me por mares desconhecidos e me permitindo viver novas emoções. Adentrando em mundos jamais pensados, me energizando e vendo a vida com outros olhos. A yoga tem me ajudado muito a relaxar e acalmar meu coração que pulsa desesperadamente. Na busca de filmes e séries acabei por encontrar uma que chamou a atenção, não pelo nome (apesar do “mar” me causar inquietude), mas pela história. Ironicamente, me deparo com um enredo onde temos um vírus altamente letal e sem cura que massacrou tripulantes e passageiros do Barbara de Braganza. É fascinante quando ficção e realidade se misturam e nos trazem um misto de sentimentos e medo. No último episódio tudo se resolve e há o tão aclamado e sonhado “felizes para sempre’, mas novamente lhe pergunto, caro leitor, a que preço? Quantas pessoas precisarão morrer para a solução ser encontrada? Quantas famílias serão devastadas não só pelo vírus, mas pela ignorância das pessoas. Quantos mais corações serão partidos e lágrimas de sofrimento derrubadas...
- Então, não me peça para ter “esperança”, porque, sim, ela dói e dói muito...
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