Sempre há um arco-íris quando o sol encontra a chuva
Presente da Chinaski
Ela me deu todos os meus livros preferidos, do Buk. Muitas vezes fiquei sem jeito de encará-la de frente, nos olhos, porque sabia que ela podia enxergar minha alma, é como se ela soubesse muito de mim, visse tudo de fora e pudesse me explicar o que estava acontecendo comigo, o que eu estava sentindo. Sempre fui sincera com ela, das pessoas sensatas, a melhor. Difícil é perceber que nunca sabemos direito o que está ocorrendo dentro de nós, não sabemos quais demônios invocamos - alguns sem querer - e mesmo assim seguimos meio que sem rumo, como se estivéssemos caminhando cansados contra o sol.
Sempre gostei de conversar com ela, disposta a ouvir
tudo sem julgamentos, talvez por estar cansada de ser julgada. Sempre soube o
que dizer e fazer, comemos as mais saborosas pizzas, dormimos nas melhores
camas, ela rindo das minhas meias até o joelho, brincando com a gatinha que eu
tinha, fugindo de possíveis assaltantes/estupradores na parada de ônibus,
correndo para o táxi, depois de não ter onde dormir e beijar homens que não
queríamos, mas eles eram tão incrivelmente românticos, nos deram vodka e pasmei
quando a vi beijando um paulista que repetiu o nome dela umas cinquenta e nove
vezes em apenas uma noite. Sobrevivemos a reuniões terrivelmente tediosas e a
pessoas ignorantes, as quais não gostamos nem mesmo da voz. Ela é um anjo, uma
protetora.
Sentimos o afeto percorrer nossos corpos e nos
abraçamos, pensamos diferente, mas quase igual, ninguém sabe de nós, quase que
nem nós mesmas sabemos, quem poderia dar palpite equivocado se não sabe nem de
sua própria vida? Nós não gostamos de frases feitas e respostas sem
sinceridade.
Tentei fazê-la conhecer as coisas obscuras que há no
mundo, nada a surpreenderá. É esse o tipo de pessoa que admiro: as que fazem de
tudo para não serem surpreendidas pela vida. O caminho para isso é desmitificar
tudo que já te disseram, tirando a prova por si mesmo de suas verdades
interiores.
Disse à ela que ela era sem sal, porque tinha a pele
branquinha demais, e o sal está na melanina, todas as cores que deus criou,
todas as coisas que foram feitas para nós e querem nos roubar ou dizer como
devemos fazê-las. Amiga, o brilho nunca se apaga assim... Eles precisaram de
muito mais para destruir nossos valores, podem passar a vida tentando, mas nunca
vão conseguir, porque não têm como atingir nossa pureza. A beleza do arco-íris
precisa da chuva, é por isso que nos fizeram tão raras, amiga.
Peço ajuda à ela para desconstruir os gêneros comigo
e jamais olhar para alguém pensando se é uma mulher, um homem ou um travesti,
para mim é tudo igual. Sem gêneros, livres...
Não deixe seu coração disparar e os olhos se
encherem de raiva e seus punhos fecharem por causa daquela que possui o cabelo
rubro. Ninguém pode ter esse contato em volts perigosos, como nós mantemos. Nos
matamos e depois nos amamos e ninguém tem nada a ver. As relações mais loucas
são as mais produtivas. Ciúmes é veneno, eu sempre soube. Mas é como pimenta, é
bom, porém arde se é demais.
Te quero com todas as cores, sem gênero, sem ciúmes,
porque na minha vida ninguém ocupa o lugar do outro e talvez seja por isso que
tudo permaneça confuso. Te quero com brilho, poder e sucesso. Nenhuma vagabunda
vale nada, elas são pura doença, elas não valem à pena.
Cuidado para não caíres no precipício dos meus olhos
negros, pois olhos que não refletem por não ser transparentes, fazem perder-se.
Olhos negros são os mais perigosos.
ps. Amo a sua capacidade de inventar belos verbos.
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